Destinatário: Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Exmº Senhor Presidente da Assembleia da República:
Nos termos do art. 5º da Constituição da República Portuguesa, o território terrestre português é simultaneamente continental e insular:
• No continente europeu, abrange «o território historicamente definido” na Península Ibérica; e
• Em matéria de ilhas, abrange os “arquipélagos dos Açores e da Madeira”.
Numa situação incerta está o território de Olivença, de facto sob a soberania de Espanha, mas que de jure muitos consideram pertença de Portugal.
Olivença passou a parte integrante de Portugal desde que essa parcela foi formalmente incorporada na soberania portuguesa pelo Tratado de Alcanices assinado em 12 de Setembro de 1297 pelo rei D. Dinis e pelo rei D. Fernando IV de Castela.
Embora no período das invasões napoleónicas, em 6 de Junho de 1801, a praça de Olivença tivesse sido incluída no território espanhol pelo art. III do Tratado de Badajoz, essa disposição seria pouco tempo depois revogada pelo art. 105º - assim se mantendo até hoje – da Acta Final do Congresso de Viena, assinado em 9 de Junho de 1815, vinculando Portugal e Espanha, para além das diversas potências europeias na época pós-napoleónica.
A verdade, porém, é que até ao presente, desde esse momento, Olivença sempre se manteve sob o domínio espanhol, não obstante múltiplas iniciativas e reivindicações contrárias por parte da sociedade civil, entre académicos e políticos, evidenciando-se o trabalho desenvolvido pela associação “Grupo dos Amigos de Olivença”.
Em face do exposto e ao abrigo das normas e princípios constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, pergunta o Deputado abaixo-assinado, através de V. Ex.ª, ao Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros do XVIII Governo Constitucional, o seguinte:
1) Qual a posição do Governo de Portugal em relação ao território de Olivença do ponto de vista da integridade do seu território e em resultado das exigências constitucionais na matéria?
2) É verdade que houve a recusa, por parte da Comissão Internacional de Limites entre Portugal e Espanha, de traçar a fronteira entre o Rio Caia e a Ribeira de Cuncos?
3) É verdade que, em parecer (homologado), o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República reconheceu que os naturais do território oliventino são portugueses?
Palácio de S. Bento, 27 de Maio de 2010
O Deputado à Assembleia da República
Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia
(Grupo Parlamentar do PSD)
Morreu António Manuel Couto Viana
(Viana do Castelo, 24-01-1923 - Lisboa, 08-06-2010)
Poeta e Português, não esqueceu Olivença, oferecendo-lhe o seu «Cancioneiro de Olivença» (Hugin, Lisboa, 2003):
«OLIVENÇA, A EXILADA»,
O pelourinho, a igreja manuelina,
A porta do palácio Cadaval,
A Torre do Castelo, o escudo em cada quina,
Chamam-se Portugal.
O mais, é um casario
Com dois séculos de Espanha,
Branco e frio,
Em frente ao jorro d'água e à palmeira estranha.
Olivença, a exilada!
A palavra saudade,
A sua língua de hoje esqueceu-a de vez.
Porém, sente-se a nobreza e alma da cidade
Em pedra e em português.
[Olivença, 05-10-2001]
«CLAMOR»
(...)
Ouvi a alma de Olivença
Cativa do silêncio sepulcral:
-Antes que o tempo me convença,
Vem libertar-me sem detença
A minha pátria é Portugal!
[Olivença, 21-08-2002]
O Poeta sabia o que só os poetas podem saber: «antes que o tempo me convença, vem libertar-me sem detença...»
Permanecerá connosco. E estará com os oliventinos, mesmo que não o saibam.
http://www.spautores.pt/page.aspx?idCat=139&idMasterCat=67&contentID=227&idLayout=8&idLang=1
António Marques
(anterior Presidente do GAO – Grupo dos Amigos de Olivença)
Entrevista do Presidente da Associação Cultural Além Guadiana
ao «Café Portugal» em 29-06-2010
http://www.cafeportugal.net/pages/noticias_artigo.aspx?id=2284
Parte 2
«Cidade das duas culturas»
Café Portugal – Olivença é comummente referida como «cidade de duas culturas». À luz do que acaba de referir os oliventinos vivem, de facto, hoje, essas duas formas de identidade?
Joaquín Fuentes Becerra – «Cidade de duas culturas» é um termo criado e alimentado pelos próprios oliventinos numa frase que procura expressar o carácter dual e a riqueza da nossa cultura. Mas, também, é uma declaração de intenções que não reflecte uma realidade completa. Temos um património monumental de herança portuguesa bem preservado mas uma grande parte da cultura imaterial, especialmente a língua, que é a cultura viva que conversa nas cozinhas e transita pelas ruas, está a desaparecer. Na verdade, há uma cultura vigorosa e dinâmica que se expressa em castelhano e outra cultura, a portuguesa, que está bem visível nas igrejas, nas muralhas, mas muito debilmente na língua. E a língua é tudo. Os oliventinos têm de conquistar verdadeiramente o qualificativo «duas culturas». Não podemos ter duas culturas se uma delas não se pode expressar através das palavras, só das pedras mudas. A Além Guadiana nasceu com o objectivo de promover a parte mais débil do património oliventino e para contribuir à projecção do enorme legado que nos deixou Portugal. A maior parte do que somos o devemos a Portugal.
C.P. – Na realidade poucos habitantes com menos de 65 anos falam o português…
J.F.B. - Em Olivença o português fala-se desde finais do século XIII até hoje. Em meados do século XX, a maioria dos oliventinos eram bilingues mas tinham na língua de Camões a sua língua materna. É nesta altura quando, por diversas razões, os pais deixam de falar aos filhos em português. Os últimos nascidos lusos falantes são os velhos de hoje. O português encontra-se hoje em camadas etárias de mais de 65 anos e é fácil adivinhar o seu futuro em 15 anos. Se não há uma aposta forte em relação à língua portuguesa em Olivença, nas suas aldeias vai desaparecer em poucos anos. Já desapareceu em Tálega, antiga aldeia de Olivença, num avanço do que significa uma enorme perda cultural.
C.P. – Referiu que a associação a que preside tem desenvolvido iniciativas com vista à promoção da língua portuguesa. Para além do «Lusofonias» pode-nos especificar?
J.F.B. - A petição à Junta da Extremadura para a declaração do Português em Olivença como Bem de Interesse Cultural, acções de divulgação, propostas para que os cartazes turísticos e a difusão cultural sejam bilingues. Achamos difícil, mas possível, a recuperação da língua de Camões em Olivença, fazendo uma aposta forte pelo ensino dos mais jovens. Existem experiências de outras línguas minoritárias em condições muito complicadas que conseguiram ser recuperadas. Mas este processo só pode ser iniciado com os próprios oliventinos, ganhando consciência sobre o valor do que temos e defendendo o que não desejamos perder. A sensibilização cultural é tão fundamental como o melhor conhecimento da nossa história portuguesa, da qual fizemos parte ao longo de meio milénio. Os nossos velhos acham que Olivença foi trocada por Campo Maior e poucos sabem que os Gamas descendem de Olivença. Temos uma extraordinária história e o papel de Olivença em Portugal foi verdadeiramente invulgar na construção da nação portuguesa, na aventura ultramarina, na Guerra de Restauração, na criação artística... Todo um passado à espera de ser melhor conhecido por nós e com uma grande projecção de futuro.
C.P. – De há um tempo a esta parte o português começou a ser associado em Olivença a uma língua estratégica, por exemplo para o turismo. Houve, com isso uma mudança institucional?
J.F.B. - Nos últimos dois séculos a língua portuguesa não contou com nenhum apoio institucional, salvo nos últimos tempos. Com a mudança de nacionalidade a língua de referência no âmbito educativo e administrativo passou a ser o castelhano. O português manteve-se exclusivamente ao longo de todo este tempo graças à vontade dos oliventinos, que se mantiveram ligados à sua língua materna, às raízes dos seus antepassados, num extraordinário exemplo de preservação cultural. Em meados do século XX era a língua popular, quase todos falavam o português mas não o escreviam pois foi unicamente a transmissão oral, e não o ensino nas escolas, o meio de aprendizagem. Com a ditadura intensifica-se a associação conceptual das línguas espanholas e portuguesa, a primeira, ensinada na escola, ficava ligada à língua de promoção social, à da gente mais culta, ao futuro, e a segunda às classes mais populares, aos que tinham um menor aceso à educação, ao passado. Nas últimas décadas há uma certa mudança na maneira de olhar para o português e começam a existir algumas iniciativas interessantes, por exemplo cursos de português, mas com um baixo impacto real no sentido de inverter o processo de extinção da Língua. E, nos últimos anos, assistimos a uma mudança muito mais notável da mentalidade, não só em relação à língua mais também com tudo aquilo relacionado com a nossa herança portuguesa, especialmente em gerações mais jovens. A língua portuguesa começa a ser vista como um valor cultural muito importante para Olivença e, também, como uma língua estratégica para o turismo, relações comerciais e pessoais, etc. Paralelamente, há uma maior implicação das instituições na promoção do português, que é já língua de ensino obrigatório numa das escolas primárias de Olivença com a participação do Instituto Camões. Tudo está a mudar, mas faz falta uma aposta mais forte pelo português, que não é uma língua estrangeira em Olivença. O português pertence ao mais profundo da nossa cultura e, na medida que os nossos velhos o falem, ainda pertencemos, também, ao âmbito da Lusofonia. E desejamos continuar a pertencer.
Património português
C.P. – Como sublinhou não é apenas a Língua que identifica o passado português em Olivença. Há a calçada, a arquitectura manuelina, a fisionomia das casas…
J.F.B. - O património monumental é quase todo português: conventos, casas notáveis, muralhas e obras de mestre como a manuelina igreja da Madalena. E, também, a base da gastronomia, das festividades, das tradições, da dança, da música... Os portugueses que visitam os monumentos de Olivença sentem-se como em casa e identificam-se com os azulejos setecentistas da Misericórdia, com os retábulos joaninos e também percebem a influência espanhola em outros aspectos. E os espanhóis sentem esse ar diferente da cidade, esse sabor português tão particular. Mas, também há um super-estrato cultural de origem hispano, que é muito forte pois os oliventinos de hoje nascem e crescem num contexto onde todas as referências culturais foram espanholas. É neste aspecto quotidiano, visível na cultura popular, na língua, ambiente, nos gostos musicais, nos novas costumes, etc., onde a cultura espanhola é inegavelmente dominante. Não podemos esquecer a cultura portuguesa mas também não devemos renunciar à herança cultural espanhola. A letra «ç» de Olivença e a «z» de Olivenza foram sempre contempladas de uma maneira antagónica. Nós achamos que utilizar ambas é contribuir para a riqueza cultural oliventina.
C.P. – Como olha para as posições do Estado Português em relação à questão de Olivença ao longo das últimas décadas?
J.F.B. - Sobre Olivença tem-se escrito muito, desde posições discrepantes sobre aspectos políticos e territoriais. Porém, a Associação Além Guadiana não está interessada neste âmbito, nem está dentro dos fins e actividades estatutárias. Reivindicamos o mais importante: a cultura. Achamos que na cultura podem e devem concordar todos. Não entendemos que a cultura oliventina tenha que pagar o preço de possíveis desencontros em outros âmbitos. Não conhecemos se há alguma posição do Estado Português ou se alguma vez se manifestou em relação à cultura portuguesa em Olivença. Mas, neste sentido, os oliventinos estão a fazer um esforço para valorizar as nossas raízes portuguesas. Nada seria mais belo e bem recebido que o compromisso das instituições portuguesas no apoio à valorização da nossa herança cultural que, também, é património de Portugal e do mundo lusófono.
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«...Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.»
(Fernando Pessoa)
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Colaboração do Dr. António Marques, anterior Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença
VERDEGAIO – GRUPO ACETRE, DE OLIVENÇA
http://www.youtube.com/watch?v=0gU28A0hnhY
«Descobrir PORTUGAL»
Os ACETRE são um grupo folk de Olivença que se reivindica do bilinguismo e da bi-culturalidade. Aqui cantam usando uma variante dialectal do português normalmente designada por "Cedillo".
Teresa de Lemos Peixoto
Entrevista do Presidente da
Associação Cultural Além Guadiana
ao «Café Portugal» em 29-06-2010
http://www.cafeportugal.net/pages/noticias_artigo.aspx?id=2284
Parte 1
Olivença, 5 de Junho de 1954 – Também um burgo pode ter saudades e mirrar-se de melancolia. Há um espírito de exílio nos lugares, perfeitamente igual ao dos indivíduos. Que pena me fez a esfera armilar no “ayuntamiento”, murcha, introvertida, apertada em novelo como uma flor de luto!
Miguel Torga (Diário, vol. VII)
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Em Olivença «o português pertence ao mais profundo da nossa cultura» Para o Presidente da Associação Além Guadiana, cujo objectivo é dinamizar a cultura portuguesa em Olivença, com o passar do tempo as ancestrais ligações» com o nosso país «começaram a perder-se». Joaquín Fuentes Becerra refere que «a melhor maneira de recuperar os caminhos perdidos, entre eles o da língua, é através dos sentidos, das emoções, dos pequenos e grandes descobrimentos da nossa história desconhecida e dos novos laços com Portugal». «Não podemos ter duas culturas se uma delas não se pode expressar através das palavras, só das pedras mudas», lamenta Becerra, considerando que é fundamental apostar no ensino da Língua aos mais jovens.
Ana Clara | terça-feira, 29 de Junho de 2010
Café Portugal – Em Junho último a Associação a que preside organizou um dia de homenagem à Lusofonia em Olivença. No fundo, um dia de memória à língua portuguesa que contou com o apoio do Ayuntamiento de Olivença. Gostaríamos que pormenorizasse.
Joaquín Fuentes Becerra – A Além Guadiana tem tido sempre uma boa e aberta relação com a autarquia e os diferentes representantes políticos de Olivença. Após a criação da Associação em Março de 2008, apresentámo-nos a todas as instituições culturais e políticas locais com o objectivo de explicar o sentido da Associação, os nossos fins e actividades a desenvolver. Apesar de ser uma entidade jovem, com pouco mais de dois anos, temos desenvolvido um grande número de actividades, como as primeiras Jornadas sobre o Português Oliventino, a criação de um website e um blogue para a difusão da Além Guadiana e a cultura lusófona, eventos musicais, etc. Tudo sempre em linha com a cultura portuguesa e com uma grande aceitação popular. Depois, chegaram outras iniciativas como a recuperação dos velhos nomes das ruas em português ou a realização de um espaço dedicado ao mundo lusófono, o «Lusofonias». Ambos os projectos foram apresentados à Câmara e às instituições políticas de Olivença e contaram com um apoio unânime. Também temos desenvolvido actividades em colaboração com os professores de português da escola «Francisco Ortiz» para a divulgação do português que se fala em Olivença. Estas iniciativas não teriam sido desenvolvidas sem a participação directa das instituições oliventinas, sendo indicativas de uma grande receptividade. Para a nossa Associação, são muito importantes os canais de comunicação locais, bem como o envolvimento da população oliventina nos diferentes projectos. Não teria sentido promover actividades sem conexão com a povoação. E se o temos conseguido, até agora, é pela nossa maneira altruísta de contribuir para o desenvolvimento cultural, pela forma sempre construtiva de apoiar iniciativas, pela visão integradora das nossas propostas, pela desvinculação política da nossa actividade e pelo interesse colectivo dos próprios projectos. A iniciativa de recuperação dos nomes ancestrais das ruas em português foi mais um exemplo, pois foi exposta com uma visão didáctica, cultural e turística com um elevado simbolismo.
C.P. – Olivença está há dois séculos sob administração espanhola. De que forma, hoje, os oliventinos se mantêm ligados a Portugal?
J.F.B. – Para além das fronteiras políticas estão os espaços culturais. Até meados do século XX, século e meio após a mudança de nacionalidade, Olivença tinha culturalmente maiores semelhanças a Portugal do que a Espanha, no âmbito linguístico, etnográfico, das tradições. Nessa altura nasceram os últimos luso falantes e desde então houve um processo mais rápido de debilidade das raízes culturais. A realidade da Olivença de hoje é diferente da realidade de há cinquenta ou cem anos. Porém, actualmente os oliventinos em termos gerais olham de maneira positiva para o seu passado e, embora os mais jovens não tenham vivido a cultura portuguesa da mesma forma que os pais, olham para Portugal com uma crescente curiosidade, com menos complexos e maior abertura. Este aspecto é novo, pois as gerações anteriores, por razões complexas, olhavam para Portugal com uma maior distância e alguns preconceitos. Pessoalmente, penso que a mudança identitária de Olivença foi um processo longo e complexo. Apesar das emigrações, a maior parte da população oliventina ficou em Olivença depois de 1801 mantendo fortes laços pessoais, culturais e sentimentais com Portugal. Com o passar dos anos, as ancestrais ligações com Portugal começaram a perder-se e os oliventinos tiveram de iniciar a construção de novas ligações com Espanha e criar novas referências culturais. Ainda que os oliventinos tenham consciência do passado português, foi muito o que se perdeu no caminho.
C.P. – Como se pode recuperar esse muito que se perdeu?
J.F.B. – Na Associação Além Guadiana, achamos que a melhor maneira de recuperar caminhos perdidos é através dos sentidos, das emoções, dos pequenos e grandes descobrimentos da nossa história desconhecida e dos novos laços com Portugal, degustando a sua gastronomia, conhecendo as suas paisagens e povos, fazendo novas amizades, conversando em português além e aquém Guadiana. Recentemente, no âmbito do primeiro certame das «Lusofonias», teve lugar uma Leitura Pública Contínua em Português, onde numerosos oliventinos de todas as idades, incluindo os representantes de todos os partidos políticos, leram textos de Camões, Pessoa, Saramago, Florbela Espanca e outros expoentes das letras portuguesas, incluindo quadras tradicionais de Olivença e autores oliventinos como Ventura Abrantes ou Caetano da Silva e Soutomaior, poeta oliventino do século XVIII conhecido como o Camões do Rossio. Foi um acto sem precedentes, popular e emotivo, que mostra grande abertura e novas maneiras de olhar a Portugal.
(continua)
Colaboração do Dr. António Marques, anterior Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença
Na madrugada de 18 Junho de 1648, João Pascácio Cosmander intentou tomar de assalto Olivença com uma força de 1.000 infantes e cavaleiros. A acção é referida em muitos documentos dispersos, mas a descrição mais colorida deve-se ao então soldado de cavalaria Mateus Rodrigues (Matheus Roiz):
(…) Quando vinha já amanhecendo (…) já ele [Cosmander] estava à roda da vila, e para melhor dizer dentro dela, e a ordem e modo como entrou foi assim como os castelhanos iam passando por umas hortas que chamam da Rala, onde havia muitos hortelões, e assim como viram os castelhanos lhe não pareceram homens, senão porcos, e como as hortas estavam mui cheias de hortaliça naquele tempo, tomaram paus nas mãos para ir a botar os castelhanos fora dizendo «Valha o diabo! Quem trouxe aqui tanto porco, donde veio isto?». E os castelhanos mui calados, marchando para a vila, e averbando com a muralha se meteram dentro por escadas, e mais estando a muralha com suas sentinelas nossas, mas quando a nossa gente se começou a alvoroçar e a gritar «Armas! Armas!», já o inimigo estava [com] muita (…) da sua infantaria dentro da vila. E no Rossio de Santo António [já] estava um batalhão de 1.000 infantes formados (…), [que] por um buraco que na muralha estava (…) [tinha entrado] uma manga de castelhanos, todos aventureiros e gente escolhida. De modo que ainda estava toda a gente da vila na cama, e muitos (…) tinham por parvoíce o dizerem que estava o inimigo dentro da vila. Logo começaram a ir-se levantando todos muito depressa, uns mal calçados e mal vestidos, e a gente de cavalo acudindo, uns em sela, outros em osso, que havia uma notável confusão da vila em ver já o inimigo dentro sem lhe poderem valer (…). E a tudo isto o Cosmander andava lá fora da vila dando ordem para meter a sua cavalaria dentro (…), e foi buscar um petardo para ele mesmo lhe pôr fogo às portas, para que entrasse a sua cavalaria, e assim como o trouxe para junto da porta, já neste tempo a nossa trincheira tinha muita gente defendendo (…). De modo que tanto que Cosmander veio com o petardo para as portas, sem se lhe dar das balas que neste tempo choviam da muralha, e ele só, trazendo o petardo às portas sem se lhe dar de nada, e a sua cavalaria toda já à vista esperando que ele botasse as portas dentro para virem entrar, mas tanto que ele se veio arrimando às portas, começaram da muralha bradando todos «Eis ali Cosmander! Eis ali Cosmander!». Mas apenas (…) o nomearam, já ele estava estirado no chão com uma bala, que estava na trincheira um carpinteiro com uma espingarda nas mãos, (…) [que] assim como o viu, já o tinha aviado, ao qual carpinteiro fez El-Rei mercê. Assim como o inimigo viu este homem morto, parece que se acabou o seu encantamento, que não houve mais castelhano que pegasse em arma senão tratar cada um de fugir mais. Os que estavam fora logo se retiraram a bom passo e os que estavam dentro levaram tal esfrega que não sabiam por onde se meterem. (…) O batalhão que estava já no terreiro de Santo António (…) [foi atacado e ficou] em breves horas em miserável estado, que como não tinham já outro remédio se metiam pelas casas e se escondiam por debaixo das camas (…). É certo que não escaparam nem 50 homens dele.
Assim se finou João Pascácio Cosmander, com uma bala ajustada por um carpinteiro...
António Marques
(anterior Presidente do GAO - Grupo dos Amigos de Olivença)
BIBLIOGRAFIA: COELHO, P. M. Laranjo, Cartas dos Governadores da Província do Alentejo a El-Rei D. João IV, vol. I, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1940. Manuscrito de Matheus Roiz, transcrição do códice 3062 [Campanha do Alentejo (1641-1654)] da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Lisboa, Arquivo Histórico Militar, 1952 (1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 2), pgs. 179-185. La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.
Joannes Cieremans (Hertogenbosh, 7 de Abril de 1602 — Olivença, 20 de Junho de 1648) foi um matemático, engenheiro-militar e arquitecto holandês, membro da Companhia de Jesus.
No contexto da Restauração da independência portuguesa, a partir de 1640, ante a iminência de uma invasão espanhola, impôs-se a completa reestruturação das fortificações fronteiriças de Portugal, adaptando-se as estruturas ainda medievais às exigências da artilharia da época.
Foi neste período que João Pascácio Cosmander ou simplesmente Cosmander, como ficou conhecido em Portugal, foi chamado a servir no Exército português, recebendo a patente de Coronel de Engenheiros, como engenheiro da província do Alentejo, tendo sido responsável pela reforma, reconstrução ou ampliação das fortificações da região, entre as quais a Fortaleza de Juromenha, cujos trabalhos foram iniciados e suspensos devidos aos elevados custos e às dificuldades técnicas que se materializaram.
Quando estava a trabalhar nas obras da Praça-forte de Olivença, foi capturado pelos espanhóis para cujo lado acabou por se passar. Entretanto, na sua primeira investida contra os portugueses em Olivença, foi atingido mortalmente por um tiro, ao tentar forçar uma porta que sabia mais fácil de entrar, a 20 de Junho de 1648.
In Wikipédia
A Associação Cultural Além-Guadiana prossegue na defesa da cultura oliventina:
A Câmara Municipal de Olivença começou a recuperar os antigos nomes em português das ruas da localidade. A iniciativa parte da associação cultural Além Guadiana, que há um ano apresentou à Câmara e aos diferentes representantes políticos de Olivença um projecto pormenorizado para a valorização da toponímia oliventina, com unânime aceitação.
O projecto contempla a adição dos antigos nomes das ruas aos actuais, mantendo a mesma tipologia e estética nas placas. Assim, resgatam-se as denominações das ruas, dos becos, das calçadas, etc., que configuram o extenso casco histórico encerrado nas muralhas abaluartadas, com um total de 73 localizações. Tudo irá acompanhado de um simbólico acto inaugural e da edição de brochuras turísticas bilingues.
A maior parte da toponímia urbana de Olivença foi substituída ou modificada na primeira metade do século XX, embora alguns dos nomes continuem a ser utilizados pela população apesar das alterações, como nos casos da rua da Rala, da rua da Pedra, da Carreira, etc.
Os antigos nomes das ruas falam-nos do passado português da “Vila”, como popularmente é conhecida a cidade, desvelando aspectos diversos, amiúde desconhecidos, da sua história. Estes remontam a séculos atrás, muitos deles à Idade Média, aludindo a pessoas ilustres da História, a antigos grémios de artesãos, a santos objecto da devoção popular ou à fisionomia das ruas, entre outros aspectos. A Rua das Atafonas, a Calçada Velha, o Terreiro Salgado e o Beco de João da Gama são alguns exemplos.
Com esta iniciativa pretende-se, enfim, realçar uma interessante componente da rica herança cultural oliventina, a toponímia, contribuindo para testemunhar a história partilhada deste concelho e para a tornar visível em cada recanto intramuros. Os nomes ancestrais dos espaços públicos conformam uma janela que convida a assomar-se e a explorar a apaixonante história de Olivença. Expressados na sua originária língua portuguesa, constituem o testemunho vivo de uma cidade onde se respiram duas culturas e são um veículo que encoraja os mais novos a manter a língua que ainda falam as pessoas mais velhas do município.
Para a associação Além Guadiana, trata-se de uma iniciativa com fins didácticos, culturais e turísticos, com a qual se resgata para o presente uma parte do passado oliventino.
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«...Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.»
(F. Pessoa)
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António Marques
(anterior Presidente do GAO – Grupo dos Amigos de Olivença)
http://acultura.no.sapo.pt/Olivenca03.jpg
20 de Maio de 1801, Guerra das Laranjas, ocupação de Olivença.
Vão passados 209 anos de sequestro da Terra das Oliveiras. E hoje e sempre, o que de Olivença se vê e alcança são Terras de Portugal.
Neste 20 de Maio de 2010, guardemos Olivença e os oliventinos.
«Horizonte»
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da Verdade.
Fernando Pessoa
In “Mensagem”
António Marques
(anterior Presidente do GAO-Grupo dos Amigos de Olivença)