Título: HISTÓRIA DOS PORTUGUESES NA ETIÓPIA (1490-1640)
Autor: Pedro Mota Curto
Editores: CAMPO DAS LETRAS
Edição: 1ª, Outubro de 2008
Com as dimensões de um verdadeiro tratado, é constituído por 494 páginas de texto mais 72 de Cronologia que começa em 1500 a. C. e acaba em 2008 a que se segue a Bibliografia com 27 páginas. Num total de 601 páginas, é sem dúvida um livro de peso.
Da badana se extrai que o Autor é licenciado em História pela Universidade de Coimbra, mestre em História dos Descobrimentos Portugueses pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Pese embora nada constar, é perfeitamente admissível que a presente obra corresponda à tese de doutoramento do Autor.
Quem era o Preste João? Que cristianismo professava? Onde se localizava o seu reino? Três questões que motivaram a Europa medieval desde Reis e Papas a aventureiros, comerciantes, intelectuais, loucos e sensatos. Foi necessário esperar por Portugal para que luz se fizesse; Pêro da Covilhã, D. Cristóvão da Gama e tantos outros que não cabe aqui referir, eis uma plêiade de portugueses que nos devem hoje encher de orgulho.
E para que se fique com uma ideia da antiguidade das relações bilaterais Portugal-Etiópia, basta referir que o primeiro Embaixador etíope chegou a Lisboa em 1452 e Pêro da Covilhã terá chegado à Corte do Négus por volta de 1493.
A questão fundamental que se colocava era a de os muçulmanos não quererem de maneira nenhuma perder o tráfego das especiarias do Oriente até à Europa onde tinham Veneza por principal cliente. Os portugueses estavam a quebrar essa rota meia náutica meia terrestre e, pior ainda, estavam a tentar estabelecer uma ligação perene com a Etiópia, o cristianismo encravado no meio do Islão. Depois de extintos os principais núcleos cristãos no Egipto, no Iémen e no Sudão, os portugueses protegiam o Preste João impedindo o monopólio islâmico.
Depois de algumas Embaixadas e de equiparável número de pelejas, o Império cristão do Preste João sobreviveu e Miguel Castanhoso «relatou as experiências [por ele próprio] vividas na Etiópia durante quase três anos, desde o dia 9 de Junho de 1541 até 16 de Fevereiro de 1544. Dos quatrocentos portugueses que desembarcaram [com ele] restavam cerca de 150, dos quais cinquenta aguardavam ansiosa e legitimamente que os fossem buscar. A maioria não regressaria nunca à Índia nem a Portugal. Aí ficaram, aí viveram, constituíram família e tornaram-se numa espécie de guarda pessoal do Imperador da Abissínia. Nos primeiros trinta anos do século XVII, os missionários portugueses jesuítas que visitaram e permaneceram na Etiópia descrevem com frequência os filhos destes 150 combatentes, que em 1630 ainda eram considerados a elite do exército etíope e continuavam a ser apelidados de portugueses.» (pág. 225)
Isto foi o que sucedeu enquanto o processo esteve entregue a homens normais; tudo evoluiu de forma bem diferente quando os teimosos entraram em cena. E o pior é que se a cena já era tradicionalmente de sangue, suor e lágrimas, o fundamentalismo clerical europeu só foi acirrar o processo.
No entanto, foram 150 anos de presença portuguesa que deixaram rastos genético e arquitectónico. Se os traços genealógicos são hoje dificilmente identificáveis a olho nu, as ruínas de Gondar são marcas indeléveis que levaram Elaine Sanceau a pensar que naquelas “(…) torres ameadas (…) paira ainda a melancolia indefinida de uma visão que passou”. Sobre o que o Autor conjectura: «Mais uma presença portuguesa em terras tão distantes. Do Uruguai à Califórnia, Terra Nova, África do Sul, Índia, China, Japão, Indonésia, Austrália. Melancolia de visões que passaram ou alegria de visões que regressam?».
Pelo que me toca, alegria de visões que regressam.
Fevereiro de 2010
Henrique Salles da Fonseca