Mário Machado Fraião
Mário Machado Fraião
Praia do Almoxarife
Depois de transcorridos 55 anos, tudo me vem à memória de uma forma indefinida, mais focada nos sentidos que visualizada. Mas da minha rica infância, vivida nas ilhas do Faial e do Pico, o que mais me marcou foram as visões do mar, dos caminhos, o carinho de uma grande família.
Na quinta da minha avó materna, as canadas pedregosas, bordadas por canteiros de floridos morangueiros, ofereciam vermelhos e suculentos frutos à gula especulativa da criançada. Vovô seguia atrás, meus primos, minha irmã e eu, à frente em alvoroçada correria. Catávamos os morangos o máximo que podíamos. Depois, com as mãos cheias, levávamos à boca, sem lavar, um a um, avidamente, o espólio da conquista. De volta a casa, após o banho morno em tina de tábuas de madeira, vovó nos alimentava com um nutritivo prato de papas.
Era um tempo de inconsequências e alegrias. Pescarias com papai na Ponta da Doca, passeios na avenida beira-mar, o primeiro sorvete (gelado) na antiga Praça do Infante, que perdeu a expressiva estátua do eminente vulto da nossa história não sei para aonde..., piqueniques na estrada para Castelo Branco. Colher frutas nas Quintas e quintais, se arranhar nos silvados ao apanhar amoras. Depois das brincadeiras, comer as sopas de vinho, de leite, o peixinho da época, as batatas, as couves e os legumes, era preciso ficar “perfeita” (gordinha, com as faces coradas), dizia minha mãezinha. Mas bom mesmo era “limpar” com os dedos o tacho das geleias de maçãs com tomate, de nêsperas, de peras, de ameixas, que meus pais faziam para esperar a carestia frutífera do Inverno. À noite, espreitar os jogos de hóquei sobre patins do Sporting Clube da Horta, encarapitada no muro da casa da minha amiguinha, Líbia Maria, ou assistir a garbosa filarmónica tocar, na Praça da República.
Aos domingos, banhos de mar e de sol nas areias negras da Praia do Almoxarife. À tarde, visitas à casa do tio padre, irmão corvino da minha avó paterna, que ficava ao lado da Igreja da Graça, aonde era o pároco. Enquanto os adultos discutiam assuntos familiares, minhas tias ofereciam deliciosos biscoitos de nata com chávenas de chá com leite para os pequenos que, após comer e beber, se entretinham na janela da sala olhando pela luneta os navios e barcos aventureiros que navegavam na rota que ia do Continente para a América.
Nos dias bons, de mar calmo e ar sereno, atravessávamos o Canal, e no Pico íamos com meus tios às vindimas. Chupava-se uvas a arrebentar, ou até dar dor de barriga... Quando a lua chegava, voltava-se para casa aos acordes de algum bandolim, ou em cantoria...
No Faial, após a colheita e secagem do milho, no final da outonal estação, havia os tão esperados serões na loja que ficava no andar térreo da Casa do Leão, Alto da Vista Alegre, na Horta, onde meus pais moravam, no inicio da década de 50.
Após o trabalho de cada um, à noite, a família reunida descascava e debulhava o milho colhido, enquanto minha bisavó, uma picarota baixinha, roliça, de óculos de aro de tartaruga, sempre vestida de preto, com lenço na cabeça, amarrado sob o queixo, lia para o grupo debulhador e atento " As Pupilas do Senhor Reitor", "A Toutinegra do Moinho", "A Dama das Camélias", "Os três Mosqueteiros", e outros sucessos literários daquele tempo. O que me intrigava era que ela apesar de ler com perfeição, como se estivesse vivendo o conto, não sabia escrever! Talvez porque no século em que ela nasceu (1880) o papel e lápis fossem materiais raros, difíceis de naquelas ilhas obter.
Enquanto os adultos trabalhavam ouvindo os romances que estimulavam a imaginação e consolavam a alma com palavras de amor, suspense e drama, as desassossegadas crianças subiam e desciam as montanhas de maçarocas de milho. Vez por outra, alguém gritava, achei o “milho rei” (aquele que tinha grãos vermelhos). Havia um prémio ou castigo, não sei; dar ou receber um beijinho de alguém querido. Depois de debulhado e ensacado, o milho era vendido ou ia para o moinho.
Quando o Inverno chegava, na época da matança dos porcos, eu me escondia assustada e tampava os ouvidos penalizada com os gritos dos animais que, sangrados até a morte, iriam nos dar com o seu sacrifício a banha, as morcelas, as linguiças, os toucinhos e carnes que nos sustentariam no frio.
O A casa do tio padre Avelar, na Praia do Almoxarife
Natais de pinheiros gigantes, enfeitados com nozes revestidas de papel prateado, presépios ornados de brancas camélias e perfumadas laranjas, castanhas torradas, inhames e ervilhas, vinhos de cheiro, massa cevada, chicharro frito, batata doce cozida, lapas, polvo, bolos de milho... Meu passado açoriano é um imenso e saudoso canteiro de sabores, odores e cores onde sentimentos felizes povoam até hoje a minha memória.
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 25 de Julho de 2010
Fotos: Arquivo particular
Praia do Almoxarife
Depois de transcorridos 55 anos, tudo me vem à memória de uma forma indefinida, mais focada nos sentidos que visualizada. Mas da minha rica infância, vivida nas ilhas do Faial e do Pico, o que mais me marcou foram as visões do mar, dos caminhos, o carinho de uma grande família.
Na quinta da minha avó materna, as canadas pedregosas, bordadas por canteiros de floridos morangueiros, ofereciam vermelhos e suculentos frutos à gula especulativa da criançada. Vovô seguia atrás, meus primos, minha irmã e eu, à frente em alvoroçada correria. Catávamos os morangos o máximo que podíamos. Depois, com as mãos cheias, levávamos à boca, sem lavar, um a um, avidamente, o espólio da conquista. De volta a casa, após o banho morno em tina de tábuas de madeira, vovó nos alimentava com um nutritivo prato de papas.
Era um tempo de inconsequências e alegrias. Pescarias com papai na Ponta da Doca, passeios na avenida beira-mar, o primeiro sorvete (gelado) na antiga Praça do Infante, que perdeu a expressiva estátua do eminente vulto da nossa história não sei para aonde..., piqueniques na estrada para Castelo Branco. Colher frutas nas Quintas e quintais, se arranhar nos silvados ao apanhar amoras. Depois das brincadeiras, comer as sopas de vinho, de leite, o peixinho da época, as batatas, as couves e os legumes, era preciso ficar “perfeita” (gordinha, com as faces coradas), dizia minha mãezinha. Mas bom mesmo era “limpar” com os dedos o tacho das geleias de maçãs com tomate, de nêsperas, de peras, de ameixas, que meus pais faziam para esperar a carestia frutífera do Inverno. À noite, espreitar os jogos de hóquei sobre patins do Sporting Clube da Horta, encarapitada no muro da casa da minha amiguinha, Líbia Maria, ou assistir a garbosa filarmónica tocar, na Praça da República.
Aos Domingos, banhos de mar e de sol nas areias negras da Praia do Almoxarife. À tarde, visitas à casa do tio padre, irmão corvino da minha avó paterna, que ficava ao lado da Igreja da Graça, aonde era o pároco. Enquanto os adultos discutiam assuntos familiares, minhas tias ofereciam deliciosos biscoitos de nata com chávenas de chá com leite para os pequenos que, após comer e beber, se entretinham na janela da sala olhando pela luneta os navios e barcos aventureiros que navegavam na rota que ia do Continente para a América.
Nos dias bons, de mar calmo e ar sereno, atravessávamos o Canal, e no Pico íamos com meus tios às vindimas. Chupava-se uvas a arrebentar, ou até dar dor de barriga... Quando a lua chegava, voltava-se para casa aos acordes de algum bandolim, ou em cantoria...
No Faial, após a colheita e secagem do milho, no final da outonal estação, havia os tão esperados serões na loja que ficava no andar térreo da Casa do Leão, Alto da Vista Alegre, na Horta, onde meus pais moravam, no inicio da década de 50.
Após o trabalho de cada um, à noite, a família reunida descascava e debulhava o milho colhido, enquanto minha bisavó, uma picarota baixinha, roliça, de óculos de aro de tartaruga, sempre vestida de preto, com lenço na cabeça, amarrado sob o queixo, lia para o grupo debulhador e atento " As Pupilas do Senhor Reitor", "A Toutinegra do Moinho", "A Dama das Camélias", "Os três Mosqueteiros", e outros sucessos literários daquele tempo. O que me intrigava era que ela apesar de ler com perfeição, como se estivesse vivendo o conto, não sabia escrever! Talvez porque no século em que ela nasceu (1880) o papel e lápis fossem materiais raros, difíceis de naquelas ilhas obter.
Enquanto os adultos trabalhavam ouvindo os romances que estimulavam a imaginação e consolavam a alma com palavras de amor, suspense e drama, as desassossegadas crianças subiam e desciam as montanhas de maçarocas de milho. Vez por outra, alguém gritava, achei o “milho rei” (aquele que tinha grãos vermelhos). Havia um prémio ou castigo, não sei; dar ou receber um beijinho de alguém querido. Depois de debulhado e ensacado, o milho era vendido ou ia para o moinho.
Quando o Inverno chegava, na época da matança dos porcos, eu me escondia assustada e tampava os ouvidos penalizada com os gritos dos animais que, sangrados até a morte, iriam nos dar com o seu sacrifício a banha, as morcelas, as linguiças, os toucinhos e carnes que nos sustentariam no frio.
A casa do tio Padre Avelar, na Praia do Almoxarife
Natais de pinheiros gigantes, enfeitados com nozes revestidas de papel prateado, presépios ornados de brancas camélias e perfumadas laranjas, castanhas torradas, inhames e ervilhas, vinhos de cheiro, massa cevada, chicharro frito, batata doce cozida, lapas, polvo, bolos de milho... Meu passado açoriano é um imenso e saudoso canteiro de sabores, odores e cores onde sentimentos felizes povoam até hoje a minha memória.
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 25 de Julho de 2010
Fotos: Arquivo particular
Fonte: Arquivo particular
No Brasil, as tradições açorianas chegadas a partir do século XVIII deitaram raízes, passaram a fazer parte da vida e do quotidiano do povo que aqui se estabeleceu, principalmente nos Estados do sul e sudeste do país. Uma dessas tradições, o culto ao Espírito Santo, a força divina que nos guia, ganhou influencias culturais de outros povos, novas cantigas, outros adeptos e formas de se exteriorizar, manteve-se a essência.
Reafirmando a tradição antiga, um poema popular açoriano:
Senhor Espírito Santo
Lá da casa da Ribeira
Cheira a cravo, cheira a rosa
Cheira a flor de laranjeira.
Tenho tantas saudades
Como folhas tem o trigo
Não as conto a ninguém
Todas trago comigo.
Minha triste saudade
Vamos nós mais devagar
O amor é criancinha
No correr pode cansar
Pus-me a cantar saudades
Ao pé de uma verde cana
Respondeu-me uma folhinha
Triste vida tem quem ama.
Uberaba, 04/07/10
Maria Eduarda Fagundes
Armas do 1º Marquês de Cantagalo, João Maria da Gama Freitas Berquó
Fonte : Wikipedia
Segundo o historiador e pesquisador faialense Marcelino Lima, fundamentado nos apontamentos de outro historiador açoriano Ferreira Serpa, a família Berquó açoriana teve origem a partir de Jacques Berqüe, cônsul francês na Ilha da Terceira (2/5/1675). Porém em 30/9/1676, por escritura, trocou o cargo com Jean Angel Négre, cônsul francês na Horta. Em 1676, fixou residência na Angustias, como mercador e homem de negócios, como demonstram documentos coevos. Aí casou, constituiu família e foi sindico do Convento de São João (1691 a 1700).
Nascido aproximadamente em 1645, na França ( Mont-de- Marsan), era filho do licenciado Jean Bergüe e de Françoise Joye, e neto de outro Jean Bergüe casado com Marguerite Lause. Tinha parentes nas famílias nobres Tastet, de Versois, de Burrios, de Prague. Faleceu nas Angustias (Horta-Ilha do Faial) a 14/10/1715 com testamento (16/8/1710) e codicilos (22/1/1714 e 28/9/1715), onde instituiu um vínculo de morgado que seguiu na linha de seu filho Diogo. À falta de descendentes deste, passaria aos da filha Tereza.
Seu filho Antônio Berquó (apelido aportuguesado) foi Deão da Sé de Angra, Ilha da Terceira.
Sua mulher, Maria Del Rio, nascida aproximadamente em 1653 e falecida a 20/3/1708, moradora da freguesia das Angustias, na Horta, era viúva do inglês Henri Vicary e filha de Antonio Del Rio (falecido a 1660) e de Izabel Ponal (falecida em 1657), moradores na Horta e de naturalidade desconhecida. Maria Del Rio tinha do seu primeiro consórcio um filho, João Vicary, mais tarde ouvidor da Ilha do Faial, e uma filha, a madre Ana de Santa Clara.
Jacques Berquó (nome aportuguesado) teve 6 filhos:
Francisco Berquó Del Rio- (nascido nas Angustias a 8/10/1676 e falecido em Angra), clérigo formado em cânones em Coimbra. Foi deão da Sé de Angra (Terceira), onde foi sepultado. Deixou vinhas e casa na região de Caxorro (Ilha do Pico), como vínculo de morgado, a favor do sobrinho, filho da irmã Tereza Clara Del Rio, para servir também de patrimônio a um dos filhos mais velhos deste que, continuando o legado sempre na descendência do dito sobrinho, com a condição de usar o sobrenome Berquó. Caso o sobrinho não possuísse descendência ou filho padre, o vínculo passaria para a sua sobrinha Maria Francisca, sob as mesmas condições. E caso esta não tivesse filhos, iria à descendência das filhas do referido sobrinho, sempre obedecendo às clausulas estipuladas. Estas condições são cifadas na escritura de doação (1762) por João Inácio Borges da Câmara a seu filho José Francisco Berquó.
Sebastião, baptizado nas Angustias.
Diogo Berquó Del Rio - (nascido a 26/1/1680 e falecido a 7/8/1715 nas Angustias) Casou em Ponta Delgada ( 8/9/1710) com D. Joana Margarida Inques de Mendonça. Fundador da Ermida Nossa Senhora da Pureza, Lagido, no Pico. Uma das suas filhas, Maria Francisca Isabel Del Rio de Vasconcelos Berquó foi administradora do vínculo instituído pelo seu avô e que ficou para seu filho JOSÉ FRANCISCO BERQUÓ BORGES DA CAMARA (1738-1774) nascido e falecido nas Angustias. Segue-lhe o apelido o filho, Capitão de Ordenanças José Francisco da Câmara Berquó (nascido e falecido nas Angustias, 1770-1825). Segue o do mesmo nome José Francisco da Câmara Berquó (1800- 1842). Teve filhos fora do casamento, nas Angustias. Seguiu-o seu filho legitimo José Francisco da Câmara Terra Berquó, último administrador da casa vincular de seus antepassados.
Antonio Berquó - (nascido a 28/8/1683 nas Angustias e falecido em Lisboa em 1739), clérigo formado em Coimbra, beneficiado na matriz da Horta em 1709. Deixou 6.000 cruzados à cunhada e sobrinhos (Cartório do 4º Oficio da Horta)
Tereza Clara Del Rio - passou o vínculo do irmão Francisco Berquó Del Rio, ao filho Francisco Antonio Berquó da Silveira Pereira.
Pedro Berquó Del Rio - Nasceu nas Angustias em 26/4/1691. Foi capitão de Ordenanças.
A filha de Jacques Berquó, Tereza Clara Del Rio (1685-1747), teve Francisco Antonio Berquó da Silveira Pereira (Angustias, 1705- Lisboa, entre 1766 e 1779) que lhe deu a neta Josefa Joaquina Maria Ana Berquó da Silveira e Velasco, açafata da rainha D. Maria I e da princesa do Brasil, D. Benedita. Esta senhora casou no Rio de Janeiro com o Juiz de Fora do RJ, José Maurício da Gama e Freitas. Desse casamento houve vários filhos, entre eles:
D. Maria Inácia da Gama Freitas Berquó, açafata da rainha D. Maria I, que casou no Rio de Janeiro em 1811, com Matias Antônio de Souza Lobato, escrivão da Câmara Real do Registro Geral das Mercês (RJ) e Senhor de S. João de Rei, 1º Visconde de Magé.
D. Maria Carlota da Gama Freitas Berquó, também açafata da rainha, casou no Rio de Janeiro em 1816 com o cunhado Matias Antonio de Souza Lobato.
João Maria da Gama Freitas Berquó (Lisboa-1791-1852) - administrador da Casa dos seus antepassados por herança da sua tia D. Tereza Clara Madalena Berquó da Silveira Utra, irmã de sua mãe D. Josefa Joaquina Maria Ana Berquó da Silveira e Velasco, filhas de Francisco Antonio Berquó da Silveira Pereira, foi o primeiro Barão (1825), o primeiro Visconde (1826), e o primeiro Marquês de Cantagalo (1826). Casou pela primeira vez no Rio de Janeiro (1800) com a brasileira natural do Rio de janeiro, Ana Adelaide de Souza Dias dama da Imperatriz D. Leopoldina da Áustria. Casou pela segunda vez, também no Rio de Janeiro com D. Tereza Sminaert Pinto de Souza Caldas, também dama da imperatriz D. Leopoldina. Dentre os seus filhos teve:
José Maria Dias da Gama Berquó - nascido em 1825, São Cristóvão ( RJ), foi adido de Negócios Estrangeiros no Brasil.
D. Maria Carlota da Gama Berquó - nascida no Rio de Janeiro
Rodrigo Maria Berquó- nascido no Rio de Janeiro foi arquiteto e director do Hospital Real de Caldas da Rainha (Portugal).
Destes descendem os Berquó que chegaram ao Brasil, dando destaque, como curiosidade a:
Pedro Alcântara Berquó - (Rio de Janeiro, 1885-1946) foi director do Jornal O Globo do Rio de Janeiro. Era filho de Luis Maria da Gama Berquó Manoel de Menezes (Lisboa, 1850-Rio de Janeiro- 1913) e D. Florentina Ferreira nascida na Argentina. Neto de José Maria Dias da Gama Berquó.
D. Madalena Luisa da Gama Berquó - (Rio de Janeiro, 1892- 1970) irmã de Pedro Alcântara Berquó, casada com Herbert Moses administrador financeiro do Jornal o Globo e presidente da Associação Brasileira de Imprensa.
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 21/06/10
Para saber mais dados e referências: Genealogias da Ilha Terceira, VOL I, (Antonio Ornelas Mendes e Jorge Forjaz) Edição Dislivro Histórica (2007) E-mail: editora@dislivro.pt Famílias Faialenses (Marcelino Lima) 1922 Universidade dos Açores, Ponta Delgada, Ilha de São Miguel
Nos grandes lances de vida, quando o homem se sente chamado para alguma coisa importante, não o move tanto o conhecimento, mas basicamente o instinto gravado no seu DNA. O impulso ganha movimento, marcha, vai em frente, através do valor do seu juízo pessoal, na busca de um ideal de felicidade, força motivadora que o leva a um tipo de atitude perante o mundo e a ele mesmo.
Sentimento como o patriotismo advém de uma emoção incutida por comportamentos racionais, aprendidos e exercidos com respeito e crença. O Português nasceu sob o signo da fé, tendo nas veias o germe da curiosidade, da aventura, do comércio. Desde remotos tempos, guiado por um ideal divino, nele ganhou força, desenvolveu coragem, criou asas.
Como nação unificada, primeira da Europa, ergueu-se como produto das Cruzadas. Subjugou os mouros, cresceu, dominou os mares, conquistou outras terras, levou e trouxe para outros povos coisas, conhecimentos, riquezas, culturas novas. Sob a égide da Cruz da Ordem de Cristo, lutou, matou e morreu, construiu um império, criou uma identidade reconhecida em todo o mundo. Religioso, submeteu-se à Igreja católica romana, sua luz e cadeia.
Para além da necessidade material, a crença que o homem se liga ao Ser Supremo, através da fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo, leva-o a comportamentos intrépidos, heróicos, que a racionalidade ateia desconhece. Portugal identificou-se com as crenças do Cristianismo, nele achou respostas aos sofrimentos e injustiças humanas. Espera a recompensa divina na imortalidade da alma que Deus promete, num mundo esclarecido, sem desigualdades sociais, de paz para todos, de força para fazer o que é preciso, de temor para refrear o orgulho, de conselho para tomar cuidado, de piedade para combater o egoísmo; dons que o Espírito Santo representa.
Com D. Sebastião, Portugal morre como expoente na Civilização Ocidental do século XVI. Após Alcácer-Quibir, o Império Português desmorona aos poucos, vítima de uma sequência de factos históricos e secretos, que o prostrou ao Espanhol, à Igreja Romana, ao mundo civilizado. Com a Inquisição tolheram aos portugueses o domínio do saber e da economia. Com a Espanha, encimando as coroas ibéricas, perderam feitorias africanas e asiáticas, frotas mercantes, armas, fortunas familiares, compradas aos morgados. Quase perderam o Brasil para os Países Baixos.
Esvaziado de riquezas, ideias e de ideais, em ciclos de prosperidade passageira, Portugal viu seu povo entrar em depressão, negligenciar-se nos estudos e na defesa, afastar-se da evolução da modernidade europeia. Se não fosse Salazar, um patriota que pôs a soberania do país acima de qualquer coisa, talvez até os Açores fossem americanos agora, coisa que o ressentimento contra o Continente deixaria muitos ilhéus contentes.
Mas o tempo tudo muda, as situações, o ambiente, fica só o gene das pessoas, também modificado pelas misturas.
Hoje Portugal globalizado, parcialmente modernizado, deficientemente educado, insuficientemente produtivo, inchado por governos burocráticos e pouco eficientes, com problemas ético-administrativos para resolver, vê-se outra vez economicamente submetido ao estrangeiro (vizinho), tentando superar os desafios de se manter uma nação idónea, numa comunidade que o encara com pouco crédito.
Entre tudo isso, o que mais assusta é perceber uma juventude apática, sem ideias próprias, com a identidade esquecida, com a história da pátria ignorada, com valores estranhos à sua cultura, sem um ideal comunitário que puxe para adiante o país. Talvez, na actual conjuntura, o que se precisa é recorrer à Reserva Espiritual de Portugal, os Açores. Quem sabe não seja o Culto ao Espírito Santo, preservado na memória e exercido na cultura insular, a fonte anímica e restauradora da identidade nacional? Quem sabe não seja o arquipélago atlântico a mostrar o caminho, o desígnio profético da Nova Era?
Numa época materialista, fria de sentimentos, que cultua o individualismo, o egoísmo e a indiferença ao que se passa com o irmão, resta-nos buscar, como antigamente, respostas na fé que anima a alma e revigora o espírito. Afinal somos produtos da criação de alguma força sobrenatural que nos submete e que ao mesmo tempo nos fortalece, que dá a ilusão que, embora tão pequenos, nos sintamos tão grandes.
Uberaba, 21/04/2010
Fonte da Foto: Livro “O Culto do Espírito Santo” (Tomaz Duarte Jr.)
Marcelino Lima, historiador e pesquisador açoriano, no seu livro Famílias Faialenses – Subsídios para a História da Ilha do Faial, faz uma breve história sobre Martim Behaim.
Segundo ele, o famoso construtor do mais antigo globo terrestre conhecido nasceu em Nuremberga entre 1430 e 1436. Seus pais, Martim Behaim e Agnes Schopper, provinham da remota Boémia e enriqueceram com o comércio na cidade de Nuremberga.
Martim Behaim filho recebeu uma das melhores educações que podia haver na época. Foi discípulo de Camille Jean Müller de Monte Régio (Regiomontano) célebre matemático e astrónomo. Aos 17 anos saiu de sua cidade natal e foi para Mechelen. Viajou como comerciante por Veneza, Anvers, Malines, Frankfurt, Viena. Sem muito sucesso nessa actividade, empregou-se em casa de mercadores e tintureiros de panos.
Em 1484, em Anvers, tomou contacto com flamengos que mantinham relações comerciais com Lisboa. Possivelmente impressionado pelas façanhas marítimas dos portugueses, resolveu visitar Portugal. Nessa época, a escola de navegação de Sagres recebia muitos homens, como Perestrello, Cadamosto, Colombo, Vespúcio, navegantes que ofereciam seu engenho e arte a quem quisesse descobrir os mistérios do mar. Todos buscavam fortuna, fama e reconhecimento. No começou supõe-se que chegou como especulador mas naquele meio náutico seu génio aflorou e a vocação para obras maiores levaram-no a ser reconhecido por D. João II, grande rei português, impulsionador dos grandes descobrimentos marítimos. Foi acolhido à célebre junta do aperfeiçoamento do astrolábio em que, entre outros, faziam parte os judeus médicos do Paço Mestre Rodrigo e Jusepe, facto contestado pelo historiador Joaquim Bensaúde (Legendes Allemandes). Acompanhou Diogo Cão na segunda viagem de exploração da costa africana (atingindo o rio Zaire). Foi premiado pelo rei que o fez Cavaleiro da Ordem de Cristo. Fez trabalhos valiosos para a navegação. Fernão Magalhães descobre o estreito a que deu o nome observando uma carta desenhada por ele. Colombo fortalece a sua ideia de viajar para o ocidente para atingir as Índias. Mas os portugueses já tinham fortes indícios de lá chegar navegando pelo oriente.
Numa das viagens que fazia com frequência a Lisboa, onde tinha também residência, o flamengo Josse Hurtere (Jorge Dutra), donatário das ilhas do Faial e Pico, travou conhecimento e relacionamento com Martim Behaim. Desta ligação surgiu o casamento dele com Joana de Macedo, filha do donatário das ilhas com a dama da corte portuguesa Brites de Macedo. O casamento provavelmente foi negociado, pois a noiva tinha de 13 a 14 anos e Martim Behaim já passava dos 40. Casado foi morar no Faial, na cidade da Horta. Em 1490 viaja à sua terra natal para receber a herança de sua mãe falecida a 1487.
Durante a permanência de dois anos em Nuremberga, construiu o famoso globo terrestre que lhe eternizou o nome e sobre o qual muito se escreveu de louvor, crítica, análise e controvérsia. Para a época, foi uma obra interessantíssima baseada à luz dos conhecimentos clássicos de Ptolomeu, Estrabão, Plínio, Marco Pólo e pelas novidades das descobertas portuguesas de que ele tinha conhecimento através das próprias experiências adquiridas nas viagens que fez.
Martim Behaim e o seu globo
A obra de Martim Behaim, o globo terrestre, tinha 7,5 m de diâmetro, era revestido por pergaminho sobre o qual escreveu e desenhou o que se conhecia na época. É trabalhado em ricas iluminuras, contendo legendas explicativas. Os nomes dos lugares foram assinalados a tinta vermelha e amarela. A nacionalidade de cada país é indicada pela bandeira e brasão de armas respectivos a cores vendo-se também, referentes a cada região, os modelos de moradas e figuras de habitantes com os seus trajes típicos. É interessante notar que ele colocou as ilhas do Faial e Pico assinaladas sob bandeira das armas dos Behains.
O Faial é designado Nova Flandres em razão de serem de Flandres os primeiros colonos e o donatário Josse Hurtere, seu sogro. O Globo foi concluído em 1492 e oferecido a Nuremberga, sua cidade natal. Na Academia de Ciências de Lisboa há uma reprodução.
Voltando a Portugal, Martim Behaim vai para o Faial, onde ficou pouco tempo, pois o rei D. João II incumbiu-o de, em missão secreta junto a Maximiliano, rei dos romanos, para que este intercedesse junto à Santa Sé para legitimar D. Jorge (filho natural de D. João), que o rei se empenhava em habilitar para o suceder na Coroa. Porém, a caminho da missão, em alto mar, o navio de Martim foi tomado por um corsário que o levou para Inglaterra. Lá ficou três meses. Retido, adoeceu, mas mesmo assim conseguiu fugir a bordo de um navio pirata que o levou até França. De lá foi à Flandres. Em 1495 já se encontrava de volta a Lisboa. Lá ficou na obscuridade até ao seu falecimento, muito pobre, num hospital.
Num documento da época, da Chancelaria Real, conta-se que a sua jovem esposa tinha um relacionamento amoroso com um escudeiro de nome Fernão de Évora que foi expulso do Faial pelo irmão de Joana de Macedo e enviado a ferros para Lisboa. Em Cabo de São Vicente conseguiu escapar. Procurou e conseguiu o perdão do rei. Mas esse homem, desafiando a autoridade do donatário da ilha, confiando na carta de seguro que o rei lhe dera, tornou a voltar ao Faial. Ignorando a carta de seguro, autoritário e de maus bofes, desta vez prendeu o escudeiro e enviou-o para a Ilha da Terceira onde ficou retido.
Com pedidos de familiares junto à Corte, Fernão de Évora conseguiu junto à Coroa, um indulto. Liberto nunca mais se soube dele. Quanto a Joana de Macedo ficou-lhe a fama. Supõe-se que o marido ficou ciente do ocorrido, e por isso se isolou sozinho em Lisboa até morrer a 29 de Julho de 1507, onde foi sepultado na Igreja de São Domingos.
Em 1519, seu filho português do mesmo nome, mandou colocar em Nuremberg, na Igreja de Santa Catarina, uma lápide comemorativa em memória do pai. Na Praça Tereza há uma estátua de bronze dele com as armas de Portugal.
Joana de Macedo voltou a se casar desta vez com D. Henrique de Noronha (quarto neto de D. Henrique II de Castela), e foi viver na ilha da Madeira. Martim Behaim filho passava tempos em Lisboa, na casa de uma tia e na Madeira com a mãe. Numa das viagens entre a Madeira e Lisboa matou um homem, em legitima defesa. Foi solto devido à intervenção do legado pontifício que o considerava bom cristão e rapaz polido.
Em 1520 Behaim neto vai a Nuremberg receber a herança que lhe pertencia pelo falecimento de seu tio Wolf. Na volta a Portugal trazia uma carta de recomendação do Senado de Nuremberg para D. Manuel pedindo que o empregasse no seu serviço, em atenção aos merecimentos do pai e da sua ilustre estirpe. Dessa data em diante não se tem mais nada relatado sobre a vida de Martim Behaim filho.
Uberaba, 3 de Março de 2010
Dados e notas retiradas e resumidas do livro de Marcelino Lima FAMILIAS FAIALENSES. (Subsídios para a história da Ilha do Faial)