António Ramos Rosa
Nuvens
Encantei-me com as nuvens, como se fossem calmas
Locuções de um pensamento aberto. No vazio de tudo
Eram frontes do universo deslumbrantes.
Em silêncio via-as deslizar num gozo obscuro
E luminoso, tão suave na visão que se dilata.
Que clamor, que clamores mas em silêncio
Na brancura unânime! Um sopro do desejo
Que repousa no seio do movimento, que modela
As formas amorosas, os cavalos, os barcos
Com as cabeças e as proas na luz que é toda sonho.
Unificado olho as nuvens no seu suave dinamismo.
Sou mais que um corpo, sou um corpo que se eleva
Ao espaço inteiro, à luz ilimitada.
No gozo de ver num sono transparente
Navego em centro aberto, o olhar e o sonho.
(Volante Verde – 1986) in Antologia Poética, Selecção de Ana Paula Coutinho Mendes
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António Vítor Ramos Rosa (Faro, 17 de Outubro de 1924). Poeta e ensaísta. Viveu a sua juventude em Faro, onde estudou o secundário que não chegou a terminar.
Em 1958 publica no jornal «A Voz de Loulé» o poema "Os dias, sem matéria" e logo a seguir o seu primeiro livro «O Grito Claro», n.º 1 da colecção de poesia «A Palavra», editada em Faro, sob a direcção do também poeta Casimiro de Brito. Como Fernando Grade e outros, ambos protagonizam o movimento da moderna poesia portuguesa.
Ainda nesse ano inicia ARR a publicação da revista «Cadernos do Meio-Dia», mas em 1960 encerra a edição por ordem da polícia política. Em meados dos anos sessenta, Ramos Rosa radicou-se em Lisboa, para trabalhar na área comercial, que breve abandona para se dedicar inteiramente à poesia, desde logo publicando “Viagem Através Duma Nebulosa”.
É o poeta do presente absoluto, da «liberdade livre» e sobe todos os degraus da admiração europeia. A sua produção reflecte uma evolução do subjectivismo, em relação à objectividade, abarcando variadas tendências, desde algumas formas experimentais a um certo neobarroquismo.
Nos seus textos está ente presente uma reflexão sobre o próprio acto da escrita e a natureza da criação poética, a questão do dizível e do indizível.
Tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos, tem recebido numerosos prémios nacionais e estrangeiros, entre os quais o Prémio Pessoa, em 1988.
Ramos Rosa, também tradutor, escreveu cerca de sessenta volumes de poesia. Em 2001 lançou “Antologia Poética”, com prefácio e selecção de Ana Paula Coutinho Mendes O seu nome foi dado à Biblioteca Municipal de Faro.
Luís de Melo e Horta
Presidenta da Mesa da Assembleia Geral do
Elos Clube de Tavira