Elos Clube de Tavira

Agosto 27 2010

Basil Davidson

(Bristol, 9 de Novembro de 1914 – Londres, 9 de Julho de 2010)

 

 

A invenção das tribos

 

Antes do imperialismo moderno, os europeus que visitavam e escreviam sobre o nosso continente (África) raramente estabeleceram uma associação entre “tribalismo”, “patriotismo” e a tendência para a criação de um “nacionalismo” em África. Porém, o “tribalismo” moderno – designação de Basil Davidson para o “clientelismo” – é bastante diferente, uma vez que “floresce na desordem, é terrivelmente destruidor para a sociedade civil, arrasa a moralidade e escarnece do Estado de Direito”.

 

Historiadores de muitos países vêm, de forma crescente, revelando a existência de uma sociedade civil nas comunidades africanas. Contudo, a partir da partilha de África na Conferência de Berlim, em finais do século XIX, essa mesma sociedade civil, depois de minada, foi aniquilada por décadas de domínio estrangeiro e, aparentemente, “não deixou quaisquer estruturas válidas para o futuro”. Refere ainda Basil Davidson que foi evidentemente por causa disso que, a política colonial britânica afirmou que a sua empreitada em África era “construir uma nação”, porque em Londres se supunha que esse desiderato estava aquém das capacidades dos próprios africanos.

 

Inicialmente, os britânicos (e não só) deram-se ao trabalho de inventar tribos nas quais se deviam integrar os africanos. Mais tarde, com a aproximação da possível independência passaram a construir estados-nação. Na medida em que, de acordo com os britânicos, não existiam quaisquer modelos africanos, estes Estados tinham que ser construídos com base nos modelos europeus. Daí que, estes mesmos modelos, sendo estrangeiros, não conseguissem alcançar legitimidade aos olhos da maioria dos cidadãos africanos e rapidamente demonstraram a sua inadequação para proteger e promover os seus interesses, excepto nos raros casos de alguns privilegiados.

 

A génese do clientelismo

 

Tendo ficado com os restos de uma sociedade civil frágil e falível, a maioria desses cidadãos procurou encontrar formas de defesa. A principal forma de o fazer foi através do tribalismo (reconhecidamente um “termo sempre traiçoeiro”), ou melhor, do clientelismo: “uma espécie de patrocínio corrupto, dependente de redes pessoais ou familiares e de outras redes similares de interesses locais”. Sendo um “sistema”, o clientelismo tornou-se, em grande medida, na forma de funcionamento da política em África. As suas rivalidades semeiam naturalmente o caos. Tal como a miséria económica, que actualmente aflige grande parte de África. Este tribalismo moderno ou “clientelismo”, segundo Davidson, “reflecte, em grande medida, características patológicas do Estado [africano] contemporâneo”: do estado-nação pós-colonial ou como outros designam “neocolonial”, resultantes da descolonização. Joseph Miller, no seu livro “Poder Político e Parentesco – Os antigos Estados Mbundu em Angola” já referia que “a história política dos Mbundu não se moveu numa direcção única, tendo consistido antes numa alternância irregular entre o triunfo de instituições baseadas nas lealdades de parentesco e o daquelas que faziam a articulação com a exigência dos reis. Repetidas vezes emergiam reis para reivindicar os serviços dos membros dos grupos de parentesco Mbundu, os quais persistentemente se viam a si próprios primeiro como membros das linhagens e apenas em segunda instância, e geralmente sob ameaça, como obedientes a uma autoridade externa”.

 

No texto “Angola: O Passado vivido e o Presente em Presença – hipótese para uma análise antropológica da crise em curso”, o seu autor, Rui Duarte de Carvalho, refere que o Estado para garantir a sua própria reprodução, fez nascer uma classe político-burocrática capaz de recuperar e adaptar “sistemas de dependência e de clientela familiar, de parentesco, étnica ou regional, factores de identificação capazes de garantir o acesso a estatutos, nomeadamente económicos e sociais, inalcançáveis por outras vias”. Mas, segundo o mesmo autor, tal aconteceu em toda a parte do mundo em que as condições estruturais, do passado e do presente, se assemelhavam às angolanas.

 

 Filipe Zau

 

in Jornal de Angola, 16 de Julho de 2010

publicado por Henrique Salles da Fonseca às 08:13
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