Na madrugada de 18 Junho de 1648, João Pascácio Cosmander intentou tomar de assalto Olivença com uma força de 1.000 infantes e cavaleiros. A acção é referida em muitos documentos dispersos, mas a descrição mais colorida deve-se ao então soldado de cavalaria Mateus Rodrigues (Matheus Roiz):
(…) Quando vinha já amanhecendo (…) já ele [Cosmander] estava à roda da vila, e para melhor dizer dentro dela, e a ordem e modo como entrou foi assim como os castelhanos iam passando por umas hortas que chamam da Rala, onde havia muitos hortelões, e assim como viram os castelhanos lhe não pareceram homens, senão porcos, e como as hortas estavam mui cheias de hortaliça naquele tempo, tomaram paus nas mãos para ir a botar os castelhanos fora dizendo «Valha o diabo! Quem trouxe aqui tanto porco, donde veio isto?». E os castelhanos mui calados, marchando para a vila, e averbando com a muralha se meteram dentro por escadas, e mais estando a muralha com suas sentinelas nossas, mas quando a nossa gente se começou a alvoroçar e a gritar «Armas! Armas!», já o inimigo estava [com] muita (…) da sua infantaria dentro da vila. E no Rossio de Santo António [já] estava um batalhão de 1.000 infantes formados (…), [que] por um buraco que na muralha estava (…) [tinha entrado] uma manga de castelhanos, todos aventureiros e gente escolhida. De modo que ainda estava toda a gente da vila na cama, e muitos (…) tinham por parvoíce o dizerem que estava o inimigo dentro da vila. Logo começaram a ir-se levantando todos muito depressa, uns mal calçados e mal vestidos, e a gente de cavalo acudindo, uns em sela, outros em osso, que havia uma notável confusão da vila em ver já o inimigo dentro sem lhe poderem valer (…). E a tudo isto o Cosmander andava lá fora da vila dando ordem para meter a sua cavalaria dentro (…), e foi buscar um petardo para ele mesmo lhe pôr fogo às portas, para que entrasse a sua cavalaria, e assim como o trouxe para junto da porta, já neste tempo a nossa trincheira tinha muita gente defendendo (…). De modo que tanto que Cosmander veio com o petardo para as portas, sem se lhe dar das balas que neste tempo choviam da muralha, e ele só, trazendo o petardo às portas sem se lhe dar de nada, e a sua cavalaria toda já à vista esperando que ele botasse as portas dentro para virem entrar, mas tanto que ele se veio arrimando às portas, começaram da muralha bradando todos «Eis ali Cosmander! Eis ali Cosmander!». Mas apenas (…) o nomearam, já ele estava estirado no chão com uma bala, que estava na trincheira um carpinteiro com uma espingarda nas mãos, (…) [que] assim como o viu, já o tinha aviado, ao qual carpinteiro fez El-Rei mercê. Assim como o inimigo viu este homem morto, parece que se acabou o seu encantamento, que não houve mais castelhano que pegasse em arma senão tratar cada um de fugir mais. Os que estavam fora logo se retiraram a bom passo e os que estavam dentro levaram tal esfrega que não sabiam por onde se meterem. (…) O batalhão que estava já no terreiro de Santo António (…) [foi atacado e ficou] em breves horas em miserável estado, que como não tinham já outro remédio se metiam pelas casas e se escondiam por debaixo das camas (…). É certo que não escaparam nem 50 homens dele.
Assim se finou João Pascácio Cosmander, com uma bala ajustada por um carpinteiro...
António Marques
(anterior Presidente do GAO - Grupo dos Amigos de Olivença)
BIBLIOGRAFIA: COELHO, P. M. Laranjo, Cartas dos Governadores da Província do Alentejo a El-Rei D. João IV, vol. I, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1940. Manuscrito de Matheus Roiz, transcrição do códice 3062 [Campanha do Alentejo (1641-1654)] da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Lisboa, Arquivo Histórico Militar, 1952 (1ª divisão, 2ª secção, caixa 3, nº 2), pgs. 179-185. La memoria ausente. Cartografia de España y Portugal en el Archivo Militar de Estocolmo. Siglos XVII y XVIII.
Joannes Cieremans (Hertogenbosh, 7 de Abril de 1602 — Olivença, 20 de Junho de 1648) foi um matemático, engenheiro-militar e arquitecto holandês, membro da Companhia de Jesus.
No contexto da Restauração da independência portuguesa, a partir de 1640, ante a iminência de uma invasão espanhola, impôs-se a completa reestruturação das fortificações fronteiriças de Portugal, adaptando-se as estruturas ainda medievais às exigências da artilharia da época.
Foi neste período que João Pascácio Cosmander ou simplesmente Cosmander, como ficou conhecido em Portugal, foi chamado a servir no Exército português, recebendo a patente de Coronel de Engenheiros, como engenheiro da província do Alentejo, tendo sido responsável pela reforma, reconstrução ou ampliação das fortificações da região, entre as quais a Fortaleza de Juromenha, cujos trabalhos foram iniciados e suspensos devidos aos elevados custos e às dificuldades técnicas que se materializaram.
Quando estava a trabalhar nas obras da Praça-forte de Olivença, foi capturado pelos espanhóis para cujo lado acabou por se passar. Entretanto, na sua primeira investida contra os portugueses em Olivença, foi atingido mortalmente por um tiro, ao tentar forçar uma porta que sabia mais fácil de entrar, a 20 de Junho de 1648.
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