Fernando Laginha
Que fizeste do tempo?
Que fizeste do tempo? Onde perdeste
A lembrança de tanto que lembrar?….
… A mágoa breve que te fez chorar,
Pequenas alegrias que tiveste,
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As coisas que escutaste e que disseste,
Horas de tédio, esperanças que alcançar.
Segredos soluçantes ao luar,
Manhãs de sol!…os gestos que fizeste.
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Que conta dás do tempo? À tua frente
O infinito e o medo pertinente
Do dia que há-de vir. Atrás, perdida,
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Toda uma vida que mal enche agora
Os sessenta minutos de uma hora
Nos sessenta segundos de uma vida….
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Eu
Passa gente por mim que eu não conheço,
Que a vida empurra para fins diversos.
Fogachos rutilantes e dispersos
Desta mesma fogueira em que arrefeço.
Cruzam-se em mim, – que estranho lhes pareço –
Seus caminhos distantes e reversos.
Falam as suas vozes nos meus versos
De outros versos sem fim e sem começo.
Assim me sinto alheio de meus passos,
Resquício de outros risos e cansaços,
- Sol de outro sol e sede de outra sede.
Assim, tudo anda em mim e eu ando em tudo… S
ou grito em cada grito, antigo e mudo,
E pedaço de pão na mão que pede!
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Fernando Laginha Ramos (Loulé, 21.Abril.1918; Lisboa, 03.Novembro.1974) foi um poeta autodidacta. Comerciante da área da ourivesaria, teve uma actividade literária algo discreta. Mas os seus versos implicam conceitos e sentimentos que, se em época mais recente o poeta houvesse vivido, teriam decerto encontrado maior eco e merecido outra divulgação.
Das duas produções aqui inseridas se pode aquilatar da serenidade da mensagem, através de um conseguido equilíbrio estrutural, em agradável sonoridade.
Foi amigo e protector de António Aleixo, tendo-o apresentado a Tossan (António Santos), o artista plástico que haveria de levar o Poeta popular ao contacto com o Dr. Joaquim Magalhães, que o “empurrou” para a reunião da obra.
Fernando Laginha era um homem dividido entre o aspecto prático do seu dia-a-dia e o gosto pela poesia. Limitava-se a concorrer a diversos Jogos Florais (onde quase sempre arrebatava um prémio) e nunca pensou publicar os seus versos.
Faleceu com 56 anos. E a família, para evitar que a memória se perdesse, reuniu uma parte da sua obra em livro, publicado trinta anos depois e intitulado “Poemas – Fernando Laginha”.
Luís de Melo e Horta
Presidente da Mesa da Assembleia Garal do
Elos Clube de Tavira