NOTA EXPLICATIVA:
Magaíça – trabalhador moçambicano nas minas da África do
Sul. A aculturação forçada pelos ingleses foi feita de tal modo
que os homens do sul de Moçambique só são aceites para
casamento depois de terem estado dois anos nas minas sul-
africanas - método expedito de angariação de mão-de-obra
voluntária e, portanto, barata.
Estação ferroviária de Maputo
Magaíça
A manhã azul e ouro dos folhetos de propaganda
engoliu o mamparra,
entontecido todo pela algazarra
incompreensível dos brancos da estação
e pelo resfolegar trepidante dos comboios.
Tragou seus olhos redondos de pasmo,
seu coração apertado na angústia do desconhecido,
sua trouxa de farrapos
carregando a ânsia enorme, tecida
de sonhos insatisfeitos do mamparra.
E um dia,
o comboio voltou, arfando, arfando...
oh nhanisse, voltou.
e com ele, magaíça,
de sobretudo, cachecol e meia listrada
e um ser deslocado
embrulhado em ridículo.
Às costas – ah onde te ficou a trouxa de sonhos, magaíça?
trazes as malas cheias do falso brilho
do resto da falsa civilização do compound do Rand.
E na mão,
magaíça atordoado acendeu o candeeiro,
à cata das ilusões perdidas,
da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
lá nas minas do Jone...
A mocidade e a saúde,
as ilusões perdidas
que brilharão como astros no decote de qualquer lady
nas noites deslumbrantes de qualquer City.
Noémia de Sousa
Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares (Catembe, 1926 — Cascais, 2003) foi uma poetisa e jornalista moçambicana.
Entre 1951 e 1964 viveu em Lisboa, onde trabalhou como tradutora, mas, em consequência da sua posição política de oposição ao Estado Novo teve de se instalar em Paris, onde trabalhou no consulado de Marrocos. Começa nesta altura a adoptar o pseudónimo de Vera Micaia.
A sua obra está dispersa por muitos jornais e revistas. Colaborou em publicações como Mensagem (CEI), Mensagem (Luanda), Itinerário, Notícias do Bloqueio (Porto, 1959), O Brado Africano, Moçambique 58; Vértice (Coimbra), Sul (Brasil).
Foi como jornalista de agências de notícias internacionais que viajou por toda a África durante as lutas pela independência de vários países. Em 1975 regressou a Lisboa, onde trabalhou na Agência Noticiosa Portuguesa.
Em 2001, a Associação dos Escritores Moçambicanos publicou o livro Sangue Negro, que reúne a poesia de Noémia de Sousa escrita entre 1949 e 1951 e está representada na antologia de poesia moçambicana Nunca mais é Sábado, organizada por Nelson Saúte (Publicações D. Quixote, Lisboa).
Março de 2010
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA: Wikipedia