Elos Clube de Tavira

Maio 10 2010

 

 

Histórias de uma identidade que resistiu ao tempo.

 

Eram conhecidos por «ciganos do rio». Homens e mulheres que partiram da praia da Vieira de Leiria rumo ao Tejo à procura de uma vida mais digna. Emoção não faltou no I Congresso da Cultura Avieira, em Santarém.

 

Num tom emotivo, característico de «quem nasceu avieiro», contaram-se histórias de tempos em que as comunidades avieiras calcorreavam o Ribatejo e as margens do Tejo.

 

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Luís Cosme, pescador e avieiro das Caneiras, em Santarém, tem 50 anos mas conhece como ninguém a cultura da comunidade. «Os avieiros fizeram do Tejo a sua casa e preservaram uma identidade que resistiu ao tempo», frisou, lembrando que «a cultura avieira existe e está bem viva». «E não tenho dúvida que Caneiras é a rainha das aldeias avieiras», disse.

 

«Há 40 anos os pescadores eram auto-sustentáveis. O Tejo dava-lhes tudo. Os pescadores foram arquitectos, construtores, enfermeiros, tiveram todas as profissões para se sustentarem e não precisaram da comunidade que vivia ali ao lado e que muitas vezes a desprezavam», lamenta.

 

E, de seguida, criticou: «a aldeia tem 150 anos de história e é clandestina, foi sempre e continua a ser. É uma vergonha para a sociedade portuguesa e para todos nós». Por fim, recordou a «mãe e mulher avieira» que considera ser «a grande responsável pela cultura avieira».

 

Sobre o rio, refúgio de centenas de avieiros, Luís Cosme afirmou: «o Tejo tem sido destruído ao longo dos anos. Não há fiscalização. As margens do rio estão degradadas e onde está melhor é nas áreas onde há pescadores». «Há a praga dos extractores de areias, que extraem a areia mas não cuidam das margens do rio e deixam embarcações anos e anos dentro do rio», lastimou.

 

Uma ideia corroborada por Inês Roque, da Universidade de Évora, que realçou a importância do Tejo como «um corredor para os avieiros» sendo no rio que encontram a sua subsistência. Tal como as aves, que fazem do Tejo um «verdadeiro corredor ecológico».

 

Religião utilitária

 

Aurélio Lopes, investigador desta cultura, analisou a mudança nas práticas religiosas entre os avieiros da borda-d’água. Depois de realçar que a «riqueza da cultura avieira» resulta da interligação dos pescadores da costa atlântica, a maioria da Praia da Vieira, com as gentes da borda-d’água, Aurélio Lopes afirmou que «o Ribatejo não seria a mesma coisa sem as migrações avieiras».

 

Criaram-se várias aldeias palafíticas – casas assentes sobre estacas – de que são exemplos Escaroupim (Salvaterra de Magos), Palhota (Cartaxo) ou Caneiras (Santarém). Desta forma, explicou o especialista, a cultura da transferência destas massas populacionais levou também a mudanças nas práticas religiosas.

 

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«A migração de grupos familiares nucleares para a borda-d’água, provocou nas populações oriundas de Vieira de Leiria uma ruptura com os mecanismos de passagem de testemunho das práticas religiosas», disse, acrescentando que tais «implicações de uma actividade laboral sem horário ou descanso semanal provocaram níveis baixos de frequência à missa».

 

As festas cíclicas reduziram-se ao mínimo, já que «os comunitários e institucionalizados ritos de passagem limitavam-se ao casamento e à morte».

 

Restaram apenas as relações com a esfera do divino, crenças e superstições e de protecção nas diversas fases da vida quotidiana, «nos grandes tormentos como as trovoadas, nas cheias, nas alturas da escassez de peixe». «É perante uma religião utilitária aquela que as contingências migratórias destas populações vieram a ocasionar», salientou Aurélio Lopes.

 

João Serrano, coordenador do projecto da candidatura avieira a património nacional, realçou a importância do desenvolvimento interinstitucional desta iniciativa. «É fundamental preservar a cultura material dos pescadores de Vieira de Leiria, de onde partiram no século XIX rumo ao rio», recordou.

 

Sustentou que «estamos perante um património nacional e também universal» e que «esta candidatura tem uma componente imaterial e material que junta quase 100 instituições em todo o País e é já um investimento empresarial».

 

Lembrou que «há um roteiro cultural dos avieiros muito rico em Portugal, com um valor patrimonial inestimável» e que «infelizmente é preciso provar junto do Estado – Ministério da Cultura – que valerá a pena apostar na cultura avieira».

 

Recuperação das aldeias

 

«Temos actualmente 42 títulos correspondentes ao projecto que estamos a desenvolver, no traje, na cultura, na fala, arquitectura, na religiosidade. E queremos aprofundar a componente empresarial e científica», frisou, dizendo que um dos objectivos passa também pela recuperação das aldeias avieiras e, particularmente, a aldeia da Póvoa.

 

«A vida difícil do povo avieiro não pertence ao passado e integra uma candidatura a património nacional. Por isso, nos próximos três anos vamos produzir estudos que comprovem a cultura avieira. Estamos cá para provar que temos um património», garantiu João Serrano.

 

De recordar que durante os trabalhos do Congresso foi anunciado o financiamento por parte de um banco ao projecto da cultura avieira, sendo o primeiro projecto no âmbito do PROVERE a ter o apoio de uma entidade bancária.

 

O I Congresso da Cultura Avieira decorreu até dia 9 de Maio, Domingo, em Santarém e Salvaterra de Magos, e foi organizado pelo Instituto Politécnico de Santarém em parceira com a Câmara de Salvaterra.

 

O evento contou, ainda, com o alto patrocínio do Presidente da República

 

Ana Clara | Sábado, 8 de Maio de 2010

in http://www.facebook.com/rui.monteiro2

 

publicado por Henrique Salles da Fonseca às 08:31
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