Luthegarda de Caires
Ao voltar a Vila Real de Santo António
Tornei a ver-te! Agora os meus cabelos
Embranqueceram já... longe de ti.
Foram-se há muito aspirações e anelos
Mas as saudades ainda as não perdi.
Tantas saudades da suave infância,
Tantas saudades de ilusões perdidas!
Daquelas flores hoje emurchecidas
Cheias de seiva, outrora, e de fragância!
Ao recordar os sonhos que sonhei
Julgava o coração sem alento
P’ra reviver ainda o sentimento
Por todas essas cousas que eu amei!
Mas volto à minha terra, tão bonita!
Terra onde reina o sol que resplandece,
Aonde a vaga é murmurar de prece
E sinto ainda a ternura infinita.
É que não há céu de tal 'splendor
Nem rio azul tão belo e prateado
Como o Guadiana, o meu rio encantado
De mansas águas, suspirando amor!
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Luthegarda Guimarães de Caires, escritora e filantropa, (Vila Real de Santo António, 1873; Lisboa, 1935) perdeu a mãe ainda criança. Mas o pai rodeou-a, a ela e ao irmão, de um ambiente de grande ternura e de arte.
Ainda jovem, deixa o Algarve e passa a viver em Lisboa onde conhece e vem a casar com o advogado madeirense João de Caires, homem culto, escritor e fundador da Sociedade de Propaganda de Portugal, que reunia em casa amigos e onde havia regularmente animados serões literários. Era o ambiente propício para que Lutgarda de Caires desse livre curso à sua criatividade.
Porém, sofreu logo no início do casamento a perda de uma filha, facto que a marcou profundamente e que se revela na tristeza da sua poesia. A partir daí, decide passar a visitar as crianças doentes do Hospital da Estefânia levando-lhes roupas, brinquedos e rebuçados.
O casal Caires viveu em Óbidos e Alcobaça, onde o marido foi juiz. Nesta cidade nasceria o filho Álvaro (Guimarães de Caires), que viria a ser, além de médico, professor na Universidade de Sevilha, escritor e investigador.
Por onde passava, Lutgarda deixava uma marca de cultura e filantropia. A partir de 1905, começa a colaborar em jornais com artigos de índole social. A sua primeira obra. 'Glicínias" foi editada em 1910. Seguiram-se "Papoilas (1912) e "A Dança do Destino, contos e narrativas" (1913).
Já regressada a Lisboa, continua a visitar regularmente as crianças do Hospital da Estefânia. Os lucros que obtinha da venda dos seus livros destinavam-se a proporcionar às crianças um melhor dia de Natal.
Em 1911, o Ministro da Justiça propôs à escritora que fizesse um estudo da situação dos presos, principalmente das mulheres. Nessa época as prisões eram mistas e as mulheres estavam numa situação extremamente crítica, tanto física como psicologicamente. Lutgarda denunciou as péssimas condições em que viviam os prisioneiros e os seus artigos conseguem melhores condições higiénicas nos cárceres. Mas a sua prioridade ia para as crianças e para a escrita. A sua obra é principalmente de poesia.
Durante dez anos, Lutgarda de Caires foi a impulsionadora do Natal das Crianças dos Hospitais, hoje Natal dos Hospitais e que foi alargado a todas as idades.
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Livros, além dos já mencionados: "Bandeira Portuguesa" (1910); "Dança do Destino" (1911); "Pombas Feridas" (1914), "Sombras e Cinzas" (1916); o romance "Doutor Vampiro" (1921); "Violetas" (1922), "Cavalinho Branco" (1930) e "Palácio das Três Estrelas" (1930), entre outros. Em co-autoria com o arqueólogo e escritor, Manuel Vieira Natividade e Virgínia Vitorino, escreveu a peça Inês. Escreveu ainda o texto da ópera Vagamundo, musicada em épocas diferentes. Recebeu a Ordem de Benemerência, pela sua dedicação às crianças e com a de Santiago da Espada.
Tem um busto e uma rua a si dedicados, em Vila Real de Santo António.
Luís Melo e Horta
Presidente da Mesa da Assembleia Geral do
Elos Clube de Tavira