Entrevista do Presidente da Associação Cultural Além Guadiana
ao «Café Portugal» em 29-06-2010
http://www.cafeportugal.net/pages/noticias_artigo.aspx?id=2284
Parte 2
«Cidade das duas culturas»
Café Portugal – Olivença é comummente referida como «cidade de duas culturas». À luz do que acaba de referir os oliventinos vivem, de facto, hoje, essas duas formas de identidade?
Joaquín Fuentes Becerra – «Cidade de duas culturas» é um termo criado e alimentado pelos próprios oliventinos numa frase que procura expressar o carácter dual e a riqueza da nossa cultura. Mas, também, é uma declaração de intenções que não reflecte uma realidade completa. Temos um património monumental de herança portuguesa bem preservado mas uma grande parte da cultura imaterial, especialmente a língua, que é a cultura viva que conversa nas cozinhas e transita pelas ruas, está a desaparecer. Na verdade, há uma cultura vigorosa e dinâmica que se expressa em castelhano e outra cultura, a portuguesa, que está bem visível nas igrejas, nas muralhas, mas muito debilmente na língua. E a língua é tudo. Os oliventinos têm de conquistar verdadeiramente o qualificativo «duas culturas». Não podemos ter duas culturas se uma delas não se pode expressar através das palavras, só das pedras mudas. A Além Guadiana nasceu com o objectivo de promover a parte mais débil do património oliventino e para contribuir à projecção do enorme legado que nos deixou Portugal. A maior parte do que somos o devemos a Portugal.
C.P. – Na realidade poucos habitantes com menos de 65 anos falam o português…
J.F.B. - Em Olivença o português fala-se desde finais do século XIII até hoje. Em meados do século XX, a maioria dos oliventinos eram bilingues mas tinham na língua de Camões a sua língua materna. É nesta altura quando, por diversas razões, os pais deixam de falar aos filhos em português. Os últimos nascidos lusos falantes são os velhos de hoje. O português encontra-se hoje em camadas etárias de mais de 65 anos e é fácil adivinhar o seu futuro em 15 anos. Se não há uma aposta forte em relação à língua portuguesa em Olivença, nas suas aldeias vai desaparecer em poucos anos. Já desapareceu em Tálega, antiga aldeia de Olivença, num avanço do que significa uma enorme perda cultural.
C.P. – Referiu que a associação a que preside tem desenvolvido iniciativas com vista à promoção da língua portuguesa. Para além do «Lusofonias» pode-nos especificar?
J.F.B. - A petição à Junta da Extremadura para a declaração do Português em Olivença como Bem de Interesse Cultural, acções de divulgação, propostas para que os cartazes turísticos e a difusão cultural sejam bilingues. Achamos difícil, mas possível, a recuperação da língua de Camões em Olivença, fazendo uma aposta forte pelo ensino dos mais jovens. Existem experiências de outras línguas minoritárias em condições muito complicadas que conseguiram ser recuperadas. Mas este processo só pode ser iniciado com os próprios oliventinos, ganhando consciência sobre o valor do que temos e defendendo o que não desejamos perder. A sensibilização cultural é tão fundamental como o melhor conhecimento da nossa história portuguesa, da qual fizemos parte ao longo de meio milénio. Os nossos velhos acham que Olivença foi trocada por Campo Maior e poucos sabem que os Gamas descendem de Olivença. Temos uma extraordinária história e o papel de Olivença em Portugal foi verdadeiramente invulgar na construção da nação portuguesa, na aventura ultramarina, na Guerra de Restauração, na criação artística... Todo um passado à espera de ser melhor conhecido por nós e com uma grande projecção de futuro.
C.P. – De há um tempo a esta parte o português começou a ser associado em Olivença a uma língua estratégica, por exemplo para o turismo. Houve, com isso uma mudança institucional?
J.F.B. - Nos últimos dois séculos a língua portuguesa não contou com nenhum apoio institucional, salvo nos últimos tempos. Com a mudança de nacionalidade a língua de referência no âmbito educativo e administrativo passou a ser o castelhano. O português manteve-se exclusivamente ao longo de todo este tempo graças à vontade dos oliventinos, que se mantiveram ligados à sua língua materna, às raízes dos seus antepassados, num extraordinário exemplo de preservação cultural. Em meados do século XX era a língua popular, quase todos falavam o português mas não o escreviam pois foi unicamente a transmissão oral, e não o ensino nas escolas, o meio de aprendizagem. Com a ditadura intensifica-se a associação conceptual das línguas espanholas e portuguesa, a primeira, ensinada na escola, ficava ligada à língua de promoção social, à da gente mais culta, ao futuro, e a segunda às classes mais populares, aos que tinham um menor aceso à educação, ao passado. Nas últimas décadas há uma certa mudança na maneira de olhar para o português e começam a existir algumas iniciativas interessantes, por exemplo cursos de português, mas com um baixo impacto real no sentido de inverter o processo de extinção da Língua. E, nos últimos anos, assistimos a uma mudança muito mais notável da mentalidade, não só em relação à língua mais também com tudo aquilo relacionado com a nossa herança portuguesa, especialmente em gerações mais jovens. A língua portuguesa começa a ser vista como um valor cultural muito importante para Olivença e, também, como uma língua estratégica para o turismo, relações comerciais e pessoais, etc. Paralelamente, há uma maior implicação das instituições na promoção do português, que é já língua de ensino obrigatório numa das escolas primárias de Olivença com a participação do Instituto Camões. Tudo está a mudar, mas faz falta uma aposta mais forte pelo português, que não é uma língua estrangeira em Olivença. O português pertence ao mais profundo da nossa cultura e, na medida que os nossos velhos o falem, ainda pertencemos, também, ao âmbito da Lusofonia. E desejamos continuar a pertencer.
Património português
C.P. – Como sublinhou não é apenas a Língua que identifica o passado português em Olivença. Há a calçada, a arquitectura manuelina, a fisionomia das casas…
J.F.B. - O património monumental é quase todo português: conventos, casas notáveis, muralhas e obras de mestre como a manuelina igreja da Madalena. E, também, a base da gastronomia, das festividades, das tradições, da dança, da música... Os portugueses que visitam os monumentos de Olivença sentem-se como em casa e identificam-se com os azulejos setecentistas da Misericórdia, com os retábulos joaninos e também percebem a influência espanhola em outros aspectos. E os espanhóis sentem esse ar diferente da cidade, esse sabor português tão particular. Mas, também há um super-estrato cultural de origem hispano, que é muito forte pois os oliventinos de hoje nascem e crescem num contexto onde todas as referências culturais foram espanholas. É neste aspecto quotidiano, visível na cultura popular, na língua, ambiente, nos gostos musicais, nos novas costumes, etc., onde a cultura espanhola é inegavelmente dominante. Não podemos esquecer a cultura portuguesa mas também não devemos renunciar à herança cultural espanhola. A letra «ç» de Olivença e a «z» de Olivenza foram sempre contempladas de uma maneira antagónica. Nós achamos que utilizar ambas é contribuir para a riqueza cultural oliventina.
C.P. – Como olha para as posições do Estado Português em relação à questão de Olivença ao longo das últimas décadas?
J.F.B. - Sobre Olivença tem-se escrito muito, desde posições discrepantes sobre aspectos políticos e territoriais. Porém, a Associação Além Guadiana não está interessada neste âmbito, nem está dentro dos fins e actividades estatutárias. Reivindicamos o mais importante: a cultura. Achamos que na cultura podem e devem concordar todos. Não entendemos que a cultura oliventina tenha que pagar o preço de possíveis desencontros em outros âmbitos. Não conhecemos se há alguma posição do Estado Português ou se alguma vez se manifestou em relação à cultura portuguesa em Olivença. Mas, neste sentido, os oliventinos estão a fazer um esforço para valorizar as nossas raízes portuguesas. Nada seria mais belo e bem recebido que o compromisso das instituições portuguesas no apoio à valorização da nossa herança cultural que, também, é património de Portugal e do mundo lusófono.
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«...Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.»
(Fernando Pessoa)
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Colaboração do Dr. António Marques, anterior Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença
VERDEGAIO – GRUPO ACETRE, DE OLIVENÇA
http://www.youtube.com/watch?v=0gU28A0hnhY
«Descobrir PORTUGAL»
Os ACETRE são um grupo folk de Olivença que se reivindica do bilinguismo e da bi-culturalidade. Aqui cantam usando uma variante dialectal do português normalmente designada por "Cedillo".
Teresa de Lemos Peixoto